Uma carta de amor

Companheiras e Companheiros,

Sabemos que os tempos atuais são estranhos. Muitas vezes confusos. Por vezes assustadores. Mas estes tempos também são únicos, sendo que sentimos a História a ser escrita em tempo real. Ao mesmo tempo que paira no ar uma sombra distópica, observamos também uma sintonia global nunca antes vivida. Emocional. Espiritual. Virtual. Por isso, decidimos escrever-te uma carta de amor.

Apesar de agora parecer que estamos separados por mundos, continuamos a acreditar na nossa viagem coletiva. Adoramos partilhar e criar contigo, e a ideia de noites de verão repletas de música, dança e contacto humano carinhoso é algo por que temos ansiado. Porém, esta ideia parece cada vez menos provável. Isto desencadeou em nós duas respostas fundamentais. Uma imensa gratidão pelas memórias preciosas e pelas coisas que tomámos por garantidas, e uma profunda reavaliação do nosso papel nisto tudo. Enquanto ravers, organizadores, curadores, músicos, performers, cozinheiros, fotógrafos, jardineiros, alquimistas, construtores, pintores, designers, escritores, sonhadores, qual é o nosso nicho numa pandemia? Bem, o mesmo que era em tempos pré-pandémicos. Os festivais são espaços de fusão de possibilidades onde se podem imaginar formas de comunidade e consciência futuras. Eles alimentam a necessidade primordial humana de experiências extáticas, rituais e conexões. Nós carregamos as tochas de uma longa, rica e particularmente louca linhagem – humanos estranhos que adoram a arte, o som e a experimentação, que se juntam para jogar e explorar as fronteiras do espírito humano.

A nossa comunidade está dispersa por todo o mundo. Embora isto seja algo que estimamos, tal como as coisas estão agora, não seria responsável que nos reuníssemos no mesmo espaço físico. O bem-estar dos nossos anfitriões locais, as pessoas do Crato e do Alentejo, assim como a saúde e segurança de cada participante é primordial. Por isso, não nos vamos reunir em torno do lago no Crato em 2020. Isto não significa que vamos deixar as coisas de lado até ao próximo ano. Isso não faria sentido, uma vez que precisamos de estar aqui uns para os outros agora mais do que nunca. O Waking Life existe para explorar o desconhecido e imaginar o (im)possível, e o espírito comunitário não se limita certamente à ideia de um encontro à volta do lago. Ele vive dentro de cada um de nós.

Compreendemos que alguns de vós possam desejar que as coisas possam voltar ao normal, mas nas palavras da escritora indiana Arundhati Roy – “Nada poderia ser pior do que um regresso à normalidade. Historicamente, as pandemias forçaram os humanos a romper com o passado e a imaginar o seu mundo de novo. Esta não é diferente. É um portal, uma porta entre um mundo e o próximo. Podemos optar por percorrê-lo, arrastando as carcaças do nosso preconceito e ódio, da nossa avareza, dos nossos rios mortos e céus fumegantes atrás de nós. Ou podemos caminhar levemente, com pouca bagagem, prontos a imaginar outro mundo.”

Enquanto a dura verdade dos nossos sonhos de Verão começa a tornar-se cada vez mais evidente, encontrámos uma falha no espaço-tempo que nos permitiu passar para um 2020 alternativo onde o Waking Life junto ao lago estava a ser desenvolvido como previsto. Fizemos o nosso melhor para fundir esta realidade à nossa, mas algo correu mal… tudo ficou fragmentado e disperso entre mundos e ficámos retidos noutra dimensão. Estamos agora a embarcar numa missão de salvamento e precisamos da tua ajuda para recolher todas as peças e juntá-las de novo.

Podemos não nos reunir na enorme pista de dança à volta do lago, mas toda a equipa do Waking Life está a transitar para uma Edição Paralela que terá lugar para além do mundo virtual, começando nesta leitura e evoluindo ao longo do tempo… Vamos envolver muitos dos artistas, performers, facilitadores de workshops, ativistas, coletivos, e tu, caso decidas juntar-te a nós nesta missão alucinante e de todo-o-terreno. 

O nosso objetivo nunca foi encontrar uma receita que funcionasse e depois repeti-la constantemente, mas sim reinventarmo-nos a cada edição, sempre em evolução, de forma surpreendente. Não podíamos prever esta pandemia, mas juntos podemos escolher como responder-lhe. Esta é uma oportunidade para inverter o guião sobre como nos conectamos, como encontramos um rumo, como vivenciamos a nossa casa, como criamos, partilhamos e experimentamos com a arte. Podemos aprender a viajar com os olhos fechados e estar uns com os outros de formas que ainda não havíamos imaginado.

Não podemos deixar de recordar esta passagem do filme do Linklater, com o qual partilhamos o nosso nome.

“As coisas têm estado difíceis para os sonhadores. Dizem que o ato de sonhar está morto, ninguém mais sonha. Ele não está morto, foi apenas esquecido, removido da nossa linguagem. Ninguém o  ensina, então ninguém sabe que ele existe. E o sonhador é expulso para a obscuridade. Bem, nós estamos a tentar mudar isso tudo e esperamos que tu também. Ao sonhar, todos os dias. Sonhar com as nossas mãos e as nossas mentes. O nosso planeta está perante os maiores problemas que já enfrentou, de sempre. Por isso, o quer que faças, não te aborreças. Esta é a época mais fascinante em que poderíamos esperar viver. E está apenas a começar.”

Carinhosamente tua,

A Família do Waking Life


*Enquanto portador de bilhete, terás a opção de participar na edição paralela WL 2020 – The Space Between, e/ou transferir o teu bilhete (ou uma parte dele) para a edição do próximo ano. Todos os portadores de bilhetes receberão daqui a 7 dias um e-mail com mais informações e os próximos passos. Certifica-te também de que verificas a tua pasta de spam.

*As consequências financeiras para o projeto Waking Life são reais. Se não tens bilhete para 2020 mas sentes-te parte da família Waking Life e queres apoiar-nos de alguma forma, ou se estás curioso sobre a nossa viagem Paralela, por favor escreve-nos diretamente para thespacebetween@wakinglife.pt.